
Nos últimos tempos, temos acompanhado empresas norte-americanas reduzindo ou até eliminando investimentos em Diversidade, Equidade e Inclusão (D&I). E a partir disso, algumas lideranças começam a dar aquele respiro aliviado, pensando que não serão mais cobradas por posturas livres de preconceitos ou decisões baseadas em estereótipos...
Você viu? Agora, nos EUA, ninguém tá nem aí mais pra esse negócio de Diversidade e Inclusão. Já podemos parar por aqui também? Finalmente, uma onda que passou...
Mas será que aqui no Brasil a coisa vai ser do mesmo jeito? 🤔
Eu não tenho uma resposta definitiva sobre o futuro, mas, se tivermos uma boa inteligência de contexto, podemos analisar o que está acontecendo ao nosso redor e, quem sabe, mapear algumas tendências.
Vamos ao contexto:
Abandonar ações de D&I é a nova tendência de mercado?
Embora exista o que chamamos de mimetismo organizacional, que explica como as empresas adotam formas e práticas semelhantes para sobreviver e se perpetuar no mercado, não há consenso sobre eliminar iniciativas de D&I. Isso porque os impactos positivos de D&I vão além da imagem organizacional.
Enquanto algumas empresas nos Estados Unidos, como Walmart, Amazon e até mesmo McDonald's, tenham anunciado reduções ou o fim de ações relacionadas à D&I, outras organizações seguem na direção contrária, reafirmando o compromisso com a inclusão.
Recentemente, a Natura declarou em manifesto que "vida não aceita retrocessos", enquanto a Apple recomendou que acionistas rejeitassem qualquer proposta para eliminar programas de inclusão.
No Brasil, o McDonald's reafirmou seu compromisso com a diversidade e inclusão, divergindo de sua matriz norte-americana, e a Unilever anunciou o lançamento de uma Escola de Marketing Antirracista, reforçando a importância de construir marcas alinhadas à justiça social.
Esses exemplos mostram que, enquanto alguns enxergam D&I como algo dispensável, há organizações que reconhecem seu valor estratégico, econômico e social.
D&I é opcional no Brasil?
Além do valor moral e estratégico, temos uma série de legislações que reforçam a importância da inclusão no ambiente corporativo:
Lei de Criminalização do Racismo (Lei nº 7.716/1989): Criminaliza o racismo, e o STF (2019) equiparou homofobia, LGBTfobia e transfobia a esse crime.
Lei de Cotas para Pessoas com Deficiência (Lei nº 8.213/1991): Obriga empresas com 100 ou mais empregados a preencher de 2% a 5% dos seus cargos com pessoas com deficiência.
Lei nº 9.029/1995: Proíbe práticas discriminatórias nas relações de trabalho, incluindo discriminação por sexo, origem, raça, deficiência, idade, entre outros.
Programa Jovem Aprendiz (Lei nº 10.097/2000): Determina que empresas de médio e grande porte contratem aprendizes entre 5% e 15% do total de empregados, com idade entre 14 e 24 anos.
Lei nº 14.457/2022 (Programa Emprega Mais Mulheres): Promove a inserção de mulheres no mercado de trabalho e exige que empresas com mais de 20 empregados adotem medidas para prevenir e combater o assédio sexual e outras formas de violência no trabalho.
Lei de Igualdade Salarial (Lei nº 14.611/2023): Determina igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens na mesma função.
O que os consumidores esperam das marcas?
Pesquisas recentes indicam que os consumidores estão cada vez mais atentos às práticas das empresas em relação à diversidade e inclusão:
83% dos brasileiros preferem comprar de marcas alinhadas com seus propósitos e valores. Metrópoles | O seu portal de notícias
80% dos consumidores consideram a autenticidade um fator decisivo na escolha de compra, enquanto 57% mantêm-se mais leais a marcas que demonstram compromisso com causas sociais ou ambientais. E-Commerce Update
64,85% dos consumidores negros dão preferência a marcas que apoiam ou se identificam com a causa negra, e 57,41% estariam dispostos a pagar mais por produtos ou serviços alinhados com essa causa. Mundo Negro
E a Geração Z? A nova força de trabalho no mercado
A Geração Z, composta por jovens nascidos entre 1997 e 2012, está ocupando cada vez mais espaço no mercado de trabalho e de consumo. Crescendo em um mundo altamente conectado, esses nativos digitais trazem consigo características únicas que estão transformando a forma como aprendem, trabalham e se relacionam com as instituições.
Eles valorizam a diversidade e a inclusão, defendendo a igualdade de gênero, raça, orientação sexual e outras formas de identidade.
Uma pesquisa aponta que 83% da Geração Z considera a diversidade como um fator-chave para aceitar uma oferta de emprego.
A Disputa por Talentos e a Necessidade de Ser uma Marca Empregadora
No mercado de trabalho atual, que está aquecido, a disputa pelos melhores talentos é real. Profissionais, especialmente da Geração Z, buscam empresas que não apenas prometem, mas praticam os valores de Diversidade, Equidade e Inclusão.
Para essa geração, D&I não é um "extra" — é uma condição essencial para escolher onde trabalhar. Além disso, consumidores também estão atentos às marcas empregadoras que promovem a representatividade em suas equipes.
Pesquisas mostram que empresas que adotam práticas inclusivas não só atraem talentos, mas também ganham a confiança de seus clientes, reforçando seu papel como líderes de mercado.
Ser uma marca empregadora reconhecida por D&I é, hoje, um diferencial competitivo que impacta diretamente na retenção de talentos, engajamento das equipes e reputação da empresa. Em tempos de transformação e inovação acelerada, equipes plurais são a base para se destacar no mercado.
E a Coexistência Geracional? Como fica?
Outro fator contextual importante é a coexistência de diversas gerações no mercado de trabalho, desde os Baby Boomers até a Geração Z. Que é uma realidade, exigindo que as empresas desenvolvam estratégias e ações que promovam respeito, valorizando essas diferenças. A partir disso, será possível colher os melhores frutos da interação multigeracional.
Qual o preço para a negligência com D&I?
Ao longo dos anos, vimos exemplos de grandes organizações que negligenciaram D&I, subestimaram sua importância ou até perpetuaram práticas discriminatórias. O resultado? Um custo bastante alto para corrigir sua imagem e recuperar a confiança do mercado.
O Que Acontece Quando D&I É Ignorado?
Empresas que não cuidam de D&I podem enfrentar uma série de problemas:
Crises públicas: Discriminação ou preconceito expostos em práticas internas frequentemente viralizam, impactando a percepção da marca.
Perda de talentos: Profissionais talentosos e diversos deixam a empresa por não se sentirem valorizados ou respeitados, prejudicando a inovação e a competitividade.
Impacto financeiro: Campanhas de marketing inclusivo reativas, multas por práticas discriminatórias ou até boicotes de consumidores podem custar milhões.
Exemplos de Empresas que Pagaram o Preço
Starbucks (2018): Um caso de discriminação racial em uma loja da marca nos EUA, onde dois homens negros foram presos enquanto esperavam por uma reunião, gerou indignação global. O incidente levou a Starbucks a fechar (por uma tarde) mais de 8.000 lojas nos EUA para um treinamento emergencial de D&I, o que custou milhões de dólares em receita perdida, além de impactar a reputação da empresa. https://www.bbc.com/portuguese/geral-43805518
H&M (2018): Uma propaganda considerada racista, que mostrava uma criança negra vestindo um moletom com os dizeres "coolest monkey in the jungle" (o "macaco mais legal da selva"), resultou em forte backlash nas redes sociais e boicotes à marca. A empresa precisou fazer mudanças significativas em sua liderança de D&I, contratar consultores especializados e investir em campanhas para recuperar a confiança do público.
Uber (2017): Um ambiente de trabalho tóxico, denúncias de assédio sexual e uma cultura de exclusão colocaram a empresa em uma crise global. Além de substituir seu CEO, a Uber teve que investir milhões em consultorias, treinamentos e reestruturações internas para melhorar sua cultura organizacional e reconstruir sua reputação como empregadora.
Gucci (2019): Após lançar um produto que foi acusado de se assemelhar a estereótipos racistas, a Gucci enfrentou severas críticas. A marca precisou pedir desculpas publicamente, contratar um diretor global de D&I e criar programas educacionais internos, além de lidar com a perda de confiança de seus consumidores.
Nubank (2020): Durante uma entrevista, a então CFO do Nubank deu uma declaração considerada racista ao justificar a baixa representatividade de negros em cargos de liderança, afirmando que seria difícil contratar mais negros porque não estariam qualificados. O caso gerou uma forte repercussão negativa e acusações de racismo estrutural. Para mitigar os danos, o Nubank investiu em programas de diversidade, destinou recursos para apoiar iniciativas voltadas à inclusão racial e lançou campanhas para demonstrar seu compromisso com mudanças.
Carrefour (2020): O caso do assassinato de um homem negro em uma loja do Carrefour em Porto Alegre, após ser espancado por seguranças, gerou comoção nacional e internacional. A marca enfrentou boicotes, protestos e perdeu a confiança de consumidores. Para tentar reverter a crise, o Carrefour anunciou um fundo de R$ 25 milhões para promover a inclusão racial no Brasil, além de revisar seus protocolos de segurança e reforçar iniciativas de D&I.
Investir em D&I é Sempre Mais Barato do que Corrigir um Erro
Esses casos mostram que negligenciar D&I não é apenas um risco ético, mas também um risco financeiro. Empresas que deixam de investir em práticas inclusivas frequentemente acabam gastando muito mais para mitigar os danos quando crises surgem. Isso sem falar no impacto incalculável de perder talentos e a confiança do consumidor.
No mundo de hoje, consumidores e talentos estão cada vez mais atentos ao compromisso das empresas com diversidade, equidade e inclusão. Pesquisas mostram que:
64% dos consumidores globais tomam decisões de compra com base nos valores da empresa (Edelman, 2021).
76% da Geração Z considera a diversidade no local de trabalho um fator decisivo ao escolher onde trabalhar (Glassdoor, 2022).
Negligenciar D&I é um erro moral e é um erro estratégico.
Eu tenho batido na mesma tecla: gerir pessoas a partir de representatividade (ou seja, não ter uma equipe que parece o seu clone), competências diversificadas (diversidade) e a capacidade de colocar todas as pessoas dentro do mesmo barco — remando na mesma direção e com a mesma relevância (inclusão) — é a receita mais básica para uma boa gestão.
Ter uma equipe plural, com múltiplas competências e um ambiente saudável e respeitoso, é o segredo do sucesso. Diversidade e inclusão não são "extras", mas o alicerce para meritocracia real, eficiência e inovação.
No Brasil, a demografia nos traz dados claros que reforçam a necessidade de inclusão:
56% da população é composta por pessoas negras, de acordo com o IBGE.
51% da população brasileira são mulheres.
8,9% da população brasileira com 2 anos ou mais de idade tem algum tipo de deficiência. Isso corresponde a cerca de 18,6 milhões de pessoas.
O Censo de 2022 do IBGE não incluiu dados sobre a identidade de gênero ou orientação sexual da população brasileira. Foi realizada uma Pesquisa Nacional de Saúde/ IBGE chamada orientação sexual autoidentificada da população adulta e 2,9 milhões de homossexuais e bissexuais se sentiram confortáveis para se autoidentificar.
Esses números mostram que incluir é refletir a realidade da sociedade. Ignorar esses dados é um retrocesso que nenhuma empresa pode se dar ao luxo de enfrentar.
Empresas que priorizam D&I desde o início evitam crises e constroem culturas fortes, atraem os melhores talentos e conquistam consumidores leais. A pergunta não é se devemos investir em D&I, mas quanto tempo podemos esperar antes que a ausência dela nos custe muito mais.
Vanessa Lemos
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