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Branquitude e o papel das pessoas brancas na luta antirracista

Atualizado: 2 de mar.



 

Muitas vezes, nos enganamos ao pensar a questão de raça e racismo como coisas do interesse apenas das pessoas negras, como se somente as pessoas negras devessem lutar contra o racismo e se preocupar com a consciência racial.


Entender o que é branquitude, como ela opera em nossa sociedade, quais seus efeitos e reflexos no discurso e comportamento das pessoas é um passo importante para a ampliação da nossa consciência, enquanto pessoas brancas, para compreendermos que a luta antirracista é algo que deveria também ser feito por nós.



O que é a branquitude? 

Para Ruth Frankemberg (2004), professora e socióloga britânica, a branquitude é um conceito que reside na subjetividade, no relacionamento e na construção histórica de significados. A branquitude é uma posição de vantagem estrutural e ao mesmo tempo, um “ponto de vista” pelo qual pessoas brancas enxergam o mundo e os outros.

Se você perguntar a uma pessoa branca o que é branquitude, provavelmente, ela não saberá responder porque este aspecto nunca foi algo a ser pensando na sua existência, simplesmente, pelo fato de ser branco e não precisar passar por determinadas dificuldades, obstáculos ou situações de preconceito por conta da sua cor.



Em que contexto surge a ideia de branquitude?


A construção da ideia da branquitude acontece em um contexto específico, no momento histórico da colonização, a escravização de pessoas não brancas e o tráfico de africanos. Este contexto favoreceu a criação e disseminação das teorias raciais que, surgem como uma reação aos ideais abolicionistas e ao iluminismo que trazia uma visão unitária de humanidade, ou seja, a raça humana.


De maneira simplificada, as teorias raciais do século XIX, buscavam explicar cientificamente as diferenças entre raças, propondo uma hierarquização entre elas, o que servia de apoio aos interesses dos colonizadores para que determinadas pessoas escravizassem outras, uma vez que, de acordo com as teorias raciais, as pessoas não eram iguais, e por isso, não tinham os mesmos direitos, não tinham a mesma capacidade porque não pertenciam a mesma raça.


As teorias raciais não aparecem para validar o processo de escravização, porque isso já ocorria antes, ancorado na justificativa moral e religiosa de que “pretos não tinham alma”, o intento das teorias raciais era manutenção da escravização fundamentada na ciência.

Importante lembrar que, em 1994, a Associação Antropológica Americana se distanciou dessa ideia e considerou o conceito de diferentes raças obsoleto e demonstrou sua falta de embasamento científico.



Os efeitos da branquitude


Porém, um dos efeitos do processo de colonização, escravização e teorias raciais é o pensamento de que o ser branco é a representação do ser humano ideal, atribuindo imediatamente a este ser uma situação de privilégio.


Sistematicamente este pensamento, através do tempo, incorpora na cultura e passa a produzir (e ainda produz) desigualdades estruturais e institucionais em nosso país, como é possível observar nestes dados atuais e em outros tantos:


  • A taxa de desemprego para brancos ficou em 8,9% no primeiro trimestre de 2022, enquanto foi de 13,3% para pretos e 12,9% para pardos, de acordo com o detalhamento da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) e pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 2022.


  • Durante a pandemia, a cada oito minutos uma mulher sofreu violência, sendo mais da metade negras, de acordo com a Agência Câmara de Notícias.


  • Os negros representam 55,9% da população brasileira, mas ocupam apenas 4,7% dos cargos de liderança nas 500 maiores empresas do país, segundo pesquisa do Instituto Ethos. As mulheres negras representam 9,3% dos quadros destas companhias e estão presentes apenas em 0,4% dos altos cargos.


Se você, ao ler estes dados, ainda está pensando que é uma mera coincidência ou que é uma questão meritocrática, continue firme na leitura que ainda tem muito mais a ser compreendido.


Então somos todos humanos!
Muita calma! Biologicamente sim. Culturalmente e Socialmente, não!

O racismo é uma forma de desumanização que coloca as pessoas negras em uma categoria de não humano. Acreditamos no mito da democracia racial e na prática, nas relações pessoais e profissionais não é isso que acontece. E os fatos e dados estão aí para comprovar.


A ideia de raça dentro do contexto social e cultural está no discurso, nas representações simbólicas, nos estereótipos, nos preconceitos, na discriminação a partir da cor da pele, que constrói uma lógica racial e de poder.


Por isso, é importante saber que temos 56% de pessoas negras neste país, uma maioria que todos os dias é minorizada pela relação com a branquitude.



Como a branquitude opera?

A branquitude está relacionada a posições e lugares sociais que estas pessoas ocupam a partir da aparência e status social. Mais líderes brancos, mais políticos brancos, mais pessoas brancas em posição de comando, de decisões e isso não é um mero acaso.


No livro da Cida Bento “O pacto da branquitude” ela escreve algo que é muito marcante: “É evidente que os brancos não promovem reuniões secretas às cinco da manhã para definir como vão manter seus privilégios e excluir os negros. Mas é como assim o fosse”.


E isso é impactante e nos faz refletir sobre quais tipos de atitudes, comportamentos que pessoas brancas tem, que conscientemente ou não, tratam de manter seus privilégios e o seu lugar de ser universal. Consegui elencar alguns:


  • Negar o racismo: “racismo era quando as pessoas eram escravizadas, não é?, agora já não tem mais”

  • Negar o privilégio branco: “Privilegiado, eu? Imagina! Lutei muito para chegar aqui!”, eu não duvido da sua luta, mas pense como ela seria mais difícil se você precisasse ainda lidar com o racismo.

  • Julgar negativamente as pessoas negras, sem nem ao menos, conhecê-las.

  • Fazer piadas ou brincadeiras que confirmam a ideia de superioridade branca.

  • Entender que a sua forma de pensar e ver o mundo é universal, é a correta, é a moralmente aceita.

  • Sentir medo de perder espaço para pessoas negras ou de grupos minorizados.

  • Em cargos de liderança, sempre questionar mais a capacidade das pessoas negras do que das pessoas brancas, alegando uma conduta meritocrática: “não vou passar a mão na cabeça de ninguém”.

Se você, pessoa branca chegou até aqui, faço um convite à uma reflexão profunda sobre a sua forma de pensar, falar e agir. O racismo é um sistema de opressão que exclui, nega direitos e mata!


Reconhecer o lugar de privilégios da branquitude é um passo fundamental para que possamos sair da negação e entrar em um novo patamar, de ação, uma ação de autodescoberta, de busca por uma conduta mais ética, contribuindo para práticas antirracistas.

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