Nos últimos anos, o tema da Diversidade e Inclusão (D&I) tem ocupado um papel central nas discussões, ações e estratégias organizacionais, como nunca tinha acontecido, refletindo uma crescente conscientização sobre seu impacto positivo no desempenho empresarial e na transformação social.
Apesar dos desafios enfrentados globalmente, o Brasil desponta como um exemplo de avanços significativos, com indícios claros de uma sociedade e mercado de trabalho mais engajados na promoção da diversidade.
Mas diante de notícias recentes de retração de ações voltadas para D&I em algumas empresas norte- americanas, surgem dúvidas de como este tema seguirá no Brasil. Neste artigo pensei em contextualizar (quem em conhece sabe que meu ponto de partida sempre é o contexto) para entender o cenário global e nacional para depois falar sobre o papel das empresas em relação aos comportamentos discriminatórios e sobre a relevância de D&I para este ano e no futuro.
Cenário Global e Nacional
Brasil: Avanços e Expectativas
O Brasil tem mostrado uma trajetória positiva na implementação de políticas e práticas de D&I, tanto no âmbito corporativo quanto social. Dados recentes mostram avanços que ilustram a mudança no comportamento social e nas decisões empresariais:
Aumento nas Denúncias de Racismo: Entre 2023 e 2024, houve um aumento de 20% nas denúncias de racismo, com um crescimento significativo no número de condenações, reforçando a percepção de que crimes contra a diversidade estão sendo levados mais a sério pelas autoridades (Relatório Anual de Combate ao Racismo, 2024, Governo Federal, publicado em novembro de 2024).
Assédio Sexual e Moral: Houve um aumento de 15% nos casos relatados, refletindo não apenas uma maior ocorrência, mas também uma maior conscientização e coragem para denunciar (Pesquisa sobre Conduta no Trabalho, 2024, realizada pela FGV em setembro de 2024).
Reação das Redes e Empresas: Casos de comportamento racista e machista por figuras públicas ou empresariais têm recebido respostas rápidas e decisivas das empresas. Por exemplo, após falas machistas de um executivo de uma grande organização em outubro de 2024, a demissão foi anunciada no mesmo dia, destacando o compromisso das empresas em não tolerar comportamentos discriminatórios (Fonte: Notícia do Valor Econômico, 15 de outubro de 2024) E outros tantos casos de demissão por conduta discriminatória que vemos nos jornais.
Além disso, iniciativas como a Política Nacional de Equidade, Educação para as Relações Étnico-Raciais e Educação Escolar Quilombola (Pneerq) demonstram o papel do governo em avançar na inclusão e combater desigualdades estruturais (Ministério da Educação, lançamento em agosto de 2024).
Da mesma forma, o Programa Emprega Mais Mulheres, programa “Emprega + Mulheres”, que promove a inserção e a manutenção das mulheres no mercado de trabalho, por meio do estímulo à aprendizagem profissional e de medidas de apoio aos cuidados dos filhos pequenos, a chamada parentalidade na primeira infância, lei n. 14.457, de 21 de setembro de 2022.
Outro marco relevante foi a aprovação da Lei da Equidade Salarial, que entrou em vigor em abril de 2024, exigindo que empresas comprovem a igualdade salarial entre gêneros, sob pena de multas substanciais. Essa medida reforça o compromisso nacional com a inclusão e a justiça no ambiente corporativo.
E a definição de crime de LGBTfobia equiparado ao racismo, consolidada pelo STF, destaca a ampliação da proteção legal para grupos historicamente marginalizados, criando um ambiente mais seguro para a diversidade em todos os níveis da sociedade.
Estes exemplos mostram mudanças na sociedade, nas decisões governamentais e as implicações para as empresas na direção de continuarem atentas às questões de inclusão.
Estados Unidos: Retrocessos e Possibilidades
Nos EUA, o movimento anti-woke e a decisão da Suprema Corte que proibiu ações afirmativas em admissões universitárias criaram um ambiente desafiador. Contudo, há sinais de resiliência:
Reavaliação Estratégica: Empresas estão ajustando suas abordagens de comunicação para evitar atritos com setores conservadores, mas continuam implementando políticas inclusivas internamente (SHRM, 2024).
Exemplos de Ação: Empresas como a Patagonia, conhecida por suas iniciativas de sustentabilidade inclusiva, e a Accenture, que segue investindo em programas robustos de inclusão para mulheres e pessoas negras, destacam-se ao alinhar D&I a seus objetivos estratégicos (Accenture, 2024).
Vale lembrar que empresas norte-americanas expandiram seus programas de diversidade, equidade e inclusão em 2020, depois que o assassinato de George Floyd, um homem negro, pela polícia gerou apelos por maiores oportunidades para as minorias. O que nos mostra ainda um movimento pendular baseado em incidentes críticos, ou seja, empresas podem atuar mais fortemente nesta temática quando um problema aparece, seja um comentário ruim de um executivo ou seja um comportamento inadequado de funcionários, algo que impacte negativamente a imagem e a reputação corporativa. Isso também acontece no Brasil.
Europa: Foco em Sustentabilidade e Inovação Social
Na Europa, o movimento por diversidade está fortemente alinhado com a sustentabilidade. Programas que integram ESG (Ambiental, Social e Governança) têm promovido uma abordagem inovadora para D&I:
Exemplos de Liderança: A Lego, por meio de projetos voltados para a inclusão de crianças e jovens de diferentes origens, e a Siemens, que investe em liderança inclusiva global, continuam sendo referências em alinhamento entre diversidade e inovação.
Ações Educacionais: Várias empresas europeias estão promovendo treinamentos em diversidade como parte de suas metas de sustentabilidade (Relatório da União Europeia sobre Sustentabilidade Corporativa, setembro de 2024).
O Papel das Empresas
O fato é que comportamentos discriminatórios, como racismo e machismo, não passam mais despercebidos. A reação das redes sociais e o monitoramento constante pressionam as organizações a agir rapidamente.
Um ponto de discussão importante surge na relação entre D&I e os princípios de Mérito, Excelência e Inteligência (MEI).Contrariando a narrativa equivocada que opõe D&I ao MEI, é importante enfatizar que a inclusão não é um abandono de mérito, mas uma ampliação das possibilidades. Não restringindo a ideia de mérito, inteligência e excelência a determinado grupo de pessoas. Além disso, a ampliação do pensamento crítico, contribui para compreender que para que o mérito exista é necessário um contexto de igualdade de condições, o que não é a realidade no Brasil.
Outra questão relevante é que a disputa por talentos e a manutenção de pessoas motivadas e engajadas nas empresas está diretamente ligada a ambientes mais seguros, harmoniosos e inclusivos.
Diversidade significa trazer para o centro decisões mais ricas, criativas e inovadoras, pois promove a coexistência de diferentes perspectivas, experiências e soluções.
Empresas que integram D&I em suas políticas reforçam o mérito ao garantir que ele seja aplicado sem vieses, avaliando talentos com base em suas competências reais, fornecendo oportunidades significativas e reais para o crescimento profissional. A excelência é alcançada ao unir diversidade de pensamentos e experiências, enquanto a inteligência organizacional se fortalece ao abraçar o aprendizado contínuo e a adaptação às dinâmicas sociais.
Por fim, antes de afirmar que as ações de D&I serão abandonadas, é essencial fazer duas reflexões fundamentais:
O que é D&I organizacional para sua empresa?
É algo limitado a palestras em datas comemorativas? Ou faz parte da cultura organizacional? Aquilo que é integrado à cultura não se abandona facilmente, pois transcende modismos e torna-se um valor essencial para a empresa.
Sua empresa vai realmente parar de abordar questões cruciais?
Vai deixar de tratar assédio sexual e moral como problemas graves?
Vai parar de promover mulheres, pessoas negras ou contratar pessoas com deficiência?
Vai ignorar as mulheres, pessoas negras e profissionais LGBT+ que estão com grande potencial para integrar o pipeline de sucessão?
Vai abandonar as ações de segurança psicológica para um clima melhor na empresa?
Vai ignorar talentos no mercado para focar em estereótipos e preconceitos?
Essas perguntas são cruciais para avaliar o verdadeiro compromisso das organizações com a diversidade e inclusão. Empresas que desejam liderar em seus setores precisam perceber que D&I não é apenas uma exigência social, mas uma estratégia que agrega valor real ao negócio, seja por meio da inovação, do aumento de produtividade ou da construção de uma reputação sólida no mercado.
A questão não é se D&I continuará sendo relevante, mas sim como as organizações podem se adaptar para garantir que suas iniciativas sejam autênticas, sustentáveis e integradas à sua essência. O futuro pertence àquelas que entenderem que a diversidade é um catalisador de transformação e uma vantagem competitiva incomparável.
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